domingo, 13 de janeiro de 2008

Responsabilidade civil pelo risco e fraude de terceiros - caso Mercado Livre

AÇÃO DE COBRANÇA. VENDA DE PRODUTO VIA INTERNET, ATRAVÉS DO SAITE DE INTERMEDIÇÃO "MERCADO LIVRE". FRAUDE PERPETRADA POR TERCEIROS, QUE, FAZENDO-SE PASSAR PELA RÉ, ENVIARAM E-MAIL FALSO AO VENDEDOR ACUSANDO O RECEBIMENTO DO PREÇO DO PRODUTO, AUTORIZANDO- O A REMETÊ-LO AO COMPRADOR. FRAUDE CAPAZ DE ILUDIR. RESPONSABILIDADE DO SAITE INTERMEDIADOR.

1. Responsabilidade objetiva da ré, em virtude da relação de consumo existente e do risco da atividade desenvolvida. Art. 927 do CC. Havendo falha no serviço prestado pela requerida, quem deve arcar com as conseqüências daí advindas é aquele coloca o serviço à disposição, e não quem dele se utiliza. Não-configuraçã o de qualquer das excludentes do dever de indenizar.

2. A fraude, no caso dos autos, era apta a iludir o vendedor, que agiu de boa-fé ao remeter o produto. Direito do autor de obter o ressarcimento do preço do produto entregue e não pago, ressalvada a possibilidade de exercício de direito regressivo da fornecedora contra aquele que praticou a fraude.

REFORMA DA SENTENÇA, PARA JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO. RECURSO PROVIDO.

RECURSO INOMINADO
TERCEIRA TURMA RECURSAL CÍVEL
Nº 71001433564
COMARCA DE GUAÍBA
JACKSON DOUGLAS GOMES ESPINDOLA
RECORRENTE
MERCADO LIVRE. COM, ATIVIDADES DE INTERNET LTDA
RECORRIDO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Juízes de Direito integrantes da Terceira Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO. Participaram do julgamento, além do
signatário, os eminentes Senhores DRA. MARIA JOSÉ SCHMITT SANT ANNA (PRESIDENTE) E DR. CARLOS EDUARDO RICHINITTI. Porto Alegre, 18 de dezembro de 2007. DR. EUGÊNIO FACCHINI NETO, Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de ação de cobrança. Narra o autor ser cadastrado como vendedor no site de anúncios requerido. Postou uma oferta de venda de um relógio, ao preço de R$ 2.599,00. Houve manifestação de interesse de compra e, logo em seguida, o autor recebeu um e-mail, diretamente do site requerido, acusando o recebimento do preço e o autorizando a remeter o produto ao comprador. Assim procedeu, mas foi surpreendido com a notícia de que se tratava de fraude perpetrada por terceiros. Pede, assim, a condenação da ré ao ressarcimento do preço do produto.

A requerida contesta, argüindo preliminares de incompetência do juízo e ilegitimidade passiva. No mérito, diz que a hipótese traduz fato de terceiro, capaz de romper com o nexo de causalidade. Argumenta ainda com a concorrência de culpa do autor, que adotou os procedimentos de segurança indicados pelo site.

A sentença julgou improcedente o pedido.

Inconformada, recorre a ré.

VOTOS
DR. EUGÊNIO FACCHINI NETO (RELATOR)

Estou por dar provimento ao recurso, para julgar procedente o pedido.

A matéria objeto da presente lide já foi apreciada no âmbito das Turmas Recursais, quando do julgamento do recurso inominado n. 71001188176, do qual participei, sendo relator o Dr. Carlos Eduardo Richinitti.

Comungo do mesmo entendimento, motivo pelo qual, para evitar tautologia, transcrevo o voto da eminente colega, adotando-o como razões de decidir:

"REPARAÇÃO DE DANOS. COMPRA E VENDA PELA INTERNET. FRAUDE AO GARANTIR O PAGAMENTO DO PRODUTO. RESPONSABILIDADE DO INTERMEDIÁRIO QUANTO À CONFERÊNCIA DOS DADOS DOS CADASTRADOS NO SITE. INEXISTÊNCIA DE DIREITO
À INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INVOCAÇÃO O ART. 6º DA LEI 9.099/95. DEVER DE RESTITUIR OS DANOS MATERIAIS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Antes de mais nada, impõe-se, até pela solução ora proposta, registrar-se que o pedido feito, consistente na condenação em danos morais, foi sem a assistência de um advogado, o que justifica a precariedade do postulado, pois aqui, na medida em que houve a perda da máquina fotográfica, antes dos danos extrapatrimoniais reconhecidos, deveria ter sido postulado a reparação pelo prejuízo material verificado.

A questão da venda de produtos pela Internet, ante a instabilidade da relação e a multiplicidade de possibilidades de fraude é algo preocupante, tanto que estão se sucedendo pedidos semelhantes ao ora em análise.

Veja-se que a parte demandada mantém um dos sites mais conhecidos da atualidade no que se refere à venda de produtos pela Internet. Seu lucro advém da intermediação pelas vendas ocorridas, sendo que este disponibiliza o espaço virtual para quem pretenda algo vender, cadastrando vendedor e comprador e estabelecendo mecanismos de segurança para que os envolvidos nas transações recebam aquilo pelo que pagaram ou entregaram.

No caso dos autos, observa-se que a pessoa cadastrada no site demandado utilizou-se de um e-mail falso, confirmando o depósito de valores, o que levou o autor a remeter a máquina fotográfica.

Houve, assim, uma fraude e alguém deverá ficar com o prejuízo, subsumindo-se no direito de tentar buscar a reparação junto a fraudadora.

A parte demandada obtém lucro significativo com o serviço que disponibiliza e a partir daí deve responder por eventuais prejuízos decorrentes de fraudes que seu sistema de segurança não consiga impedir.

Veja-se que a pessoa responsável pelo ilícito somente chegou até o autor graças ao serviço disponibilizado pelo demandado, o qual, inclusive, tinha a mesma em seus cadastros, agora excluída em face de irregularidades cometidas.

Em outras palavras, a pessoa responsável pela conduta criminosa, somente chegou até o autor graças ao serviço disponibilizado pelo demandado, o qual lucra valores significativos e até por isso deve responder quando o sistema mostra-se falho, responsabilidade esta que pode ser afastada quando demonstrada absoluta falta de cautela por parte do usuário.

Não é o caso dos autos, onde o autor, já acostumado a realizar outros negócios através do requerido, confiando na segurança dos serviços disponibilizados, foi vitimado por um e-mail falso emitido pela pessoa cadastrada no site mantido pelo demandado.

As alegações de ausência de cautela do autor ao não checar a veracidade do depósito ou até mesmo a idoneidade da pretensa adquirente, quedam, a meu ver, diante da argumentação antes exposta, no sentido de que se trata da disponibilizaçã o de um serviço, para o qual a requerida lucra valores significativos e esta atividade permitiu e concorreu para uma conduta criminosa, mostrando-se deficiente no que se refere ao item segurança, pelo que tem o consumidor direito à reparação pelo prejuízo que sofreu.

Assim, tenho que o demandante tem direito a uma indenização, mas não a título de dano moral que não verifico no caso presente e sim pelo prejuízo material correspondente ao valor da máquina fotográfica vendida, que foi de R$ 1.250,00.

Aqui, na expectativa do justo, invoco o art. 6º da Lei 9.099/95 que assim dispõe:

Art. 6º O Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum.

Assim, embora o pedido de balcão tenha sido no sentido de postular danos morais, não verificados, tenho que o justo é reconhecer-se o direito aos danos materiais que efetivamente ocorreram com a perda da máquina fotográfica. Aliás, isso inclusive beneficia a parte
demandada, pois o valor do bem é menor do que a indenização pelo prejuízo imaterial reconhecido na sentença recorrida.

Assim, VOTO no sentido de dar parcial provimento ao recurso, para o fim de CONDENAR a parte demandada a pagar ao autor a importância de R$ 1.250,00 a ser corrigida a partir da data da entrega do bem, 27/06/2006, e acrescida de juros de mora de 12% ao ano a contar da
citação.

Sem custas e honorários em face do resultado".

Aos fundamentos já esposados na decisão do colega, acresço apenas que, no caso dos autos, a fraude da qual foi vítima o autor era capaz de iludir. Trata-se de um e-mail recebido pelo vendedor cadastrado no site, acusando o recebimento do preço do produto anunciado, e
autorizando- o a remeter a mercadoria para o comprador. No endereço do e-mail do remetente (fl. 09) consta o nome comercial da requerida, além do nome, apelido e dados pessoais do suposto comprador, inclusive telefone e endereço. O próprio demandante, em seu depoimento pessoal, alegou que, ao clicar nos link's constantes do e-mail, era remetido à página do Mercado Livre na Internet, o que causa ainda mais confiabilidade àquele que recebe a mensagem.

Assim, resta evidenciado que a fraude perpetrada era efetivamente passível de enganá-lo. Tanto assim que, uma vez acusado o recebimento do preço, remeteu, de boa-fé, o produto ao pretenso comprador. Daí por que não há falar em culpa concorrente do autor para o ocorrido.

Não há falar, como pretende a ré, em culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, capaz de romper o nexo causal e, com isto, afastar a responsabilizaçã o da fornecedora (art. 14, § 3º, inc. II do CDC).

Houve uma falha, causando danos ao usuário do site. E, quando o sistema falha, quem deve arcar com as conseqüências daí advindas é aquele que coloca o serviço à disposição, e não quem dele se utiliza. Restará à fornecedora o direito de demandar regressivamente contra aquele que perpetrou a fraude, acaso identificado.

Nesse contexto, a solução consiste em reformar sentença de improcedência do pedido, condenando-se a ré a ressarcir o autor do preço do produto, já que equivalente ao prejuízo que teve com a perda do negócio.

VOTO, pois, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO, julgando procedente o pedido para condenar a ré a pagar ao autor a importância de R$ 2.599,00 (dois mil, quinhentos e noventa e nove reais), corrigidos monetariamente pelo IGP-M desde o ajuizamento da ação e acrescido de juros moratórios à razão de 1% ao mês a partir da citação.

Sem sucumbência, diante do resultado do julgamento.

DRA. MARIA JOSÉ SCHMITT SANT ANNA (PRESIDENTE) - De acordo.
DR. CARLOS EDUARDO RICHINITTI - De acordo.

DRA. MARIA JOSÉ SCHMITT SANT ANNA - Presidente - Recurso Inominado nº
71001433564, Comarca de Guaíba: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.
UNÂNIME."

Juízo de Origem: 1. VARA GUAIBA GUAIBA - Comarca de Guaíba

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