quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Tributação de VoIP

Laine Moraes Souza

Advogada, especialista em direito da Tecnologia da Informação e tributário

lainems@yahoo.com.br

Denomina-se “serviço conversacional de VoIP” o serviço essencialmente destinado à comunicação de voz, de modo similar ao provido pelo Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC), com a participação de pelo menos um interlocutor ligado a uma rede IP (Internet Protocol). Dentro dessa classificação, incluem-se também os serviços suplementares típicos de telefonia, como áudio-conferência, retenção e redirecionamento de chamadas telefônicas, entre outros. Há 3 tipos legais de VoIP:

1º VoIP de Terminal IP para Terminal IP

Neste caso, os interlocutores usam equipamentos dotados de codecs de áudio e interfaces ligadas a uma rede IP em suas conversações. Por exemplo, pode ser empregado um software em um computador de propósito geral (Personal Computer – PC), para transmitir e receber amostras de áudio digitalizado, empacotadas em datagramas IP. Esse tipo de terminal é comumente chamado de softphone.

2º VoIP de Terminal IP para Telefone

No VoIP de Terminal IP para telefone, há integração entre RTCCs (Redes Telefônicas Comutadas por Circuito) e serviços convencionais de VoIP, envolvendo o uso de dois componentes adicionais, os chamados gateways de voz e gateways de sinalização.

3º VoIP de Telefone para Telefone

Este cenário se apresenta como um misto dos dois cenários anteriores, em que gateways de voz e de sinalização permitem que RTCCs distintas utilizem redes IP para se interligarem. Esse cenário ocorre tipicamente em instituições e empresas que possuem instalações geograficamente dispersas, em que cada instalação possui uma CPCT (Central Privada de Comutação Telefônica) própria, e a ligação entre as instalações é provida por uma rede IP.

Regulamentação do Serviço VoIP

Os serviços VoIP não estão, atualmente, regulamentados no Brasil. A regulamentação para os serviços de voz, imposta pela ANATEL, não especifica a tecnologia usada pelo VoIP, e sim o meio e a forma utilizada para provê-lo. De acordo com o disposto no site da Agência, in verbis:

O Voz sobre IP (VoIP) é um conjunto de tecnologias que usam a internet ou redes IP privadas para a comunicação de voz, substituindo ou complementando os sistemas de telefonia convencionais. A Anatel não regulamenta as tecnologias, mas os serviços de telecomunicações que delas se utilizam. A comunicação de voz utilizando computadores conectados à internet - uma das aplicações desta tecnologia - é considerada Serviço de Valor Adicionado, não sendo necessária autorização da Anatel para prestá-lo.

Nesse contexto, o uso da tecnologia de VoIP deve ser analisado sob três aspectos principais:

· a comunicação de voz efetuada entre dois computadores pessoais, utilizando programa específico e recursos de áudio do próprio computador - com acesso limitado a usuários que possuam tal programa - não constitui serviço de telecomunicações, mas Serviço de Valor Adicionado, conforme entendimento internacional;

· a comunicação de voz no âmbito restrito de uma rede corporativa ou na rede de uma prestadora de serviços de telecomunicações, de forma transparente para o assinante, efetuada entre equipamentos que podem incluir o aparelho telefônico, é caracterizada como serviço de telecomunicações. Neste caso, é exigida a autorização para exploração de serviço de telecomunicações para uso próprio ou para prestação a terceiros;

· a comunicação de voz de forma irrestrita com acesso a usuários de outros serviços de telecomunicações e numeração específica (objeto de controle pela Anatel) é caracterizada como serviço de telecomunicações de interesse coletivo. É imprescindível autorização da Agência e a prestação do serviço deve estar em conformidade com a regulamentação.

A ANATEL dividiu a utilização do VoIP em três categorias, que são: comunicação PC a PC, comunicação de forma restrita e de forma irrestrita.

A comunicação PC a PC é a mesma estrutura definida no tópico “VoIP de Terminal IP para Terminal IP”, ou seja, é a comunicação que necessita do softphone para que os usuários comuniquem entre si. Trata-se de um serviço de valor adicionado, por utilizar uma estrutura de telefonia já existente. Neste caso, não haverá a necessidade de se requerer autorização junto a ANATEL.

Nas outras duas formas, tanto a comunicação restrita quanto a comunicação irrestrita possuem terminações na rede da telefonia (fixa ou móvel), e por isto necessitam da licença STFC (Serviço Telefônico Fixo Comutado). Estas licenças são para os serviços de telecomunicações que, por meio de transmissão de voz e de outros sinais, destina-se à comunicação entre pontos fixos determinados, utilizando processos de telefonia.

ICMS e Comunicação

Regra geral, o ICMS será devido, em conformidade com a legislação tributária vigente, pelo contribuinte do imposto, pessoa física ou jurídica, que prestar onerosamente serviço de comunicação de qualquer natureza e por qualquer meio, mesmo que iniciado no exterior.

A principal questão a ser abordada, de pronto, diz respeito à definição dos termos “serviço de comunicação” e “comunicação”. Esta alude ao ato ou efeito de comunicar-se, e pressupõe que sejam identificados quem transmite e quem recebe a mensagem, sendo irrelevante o conteúdo e o meio utilizado para a sua transmissão. Já o serviço de comunicação é entendido como aquela atividade desenvolvida por quem oferece, de maneira onerosa, os meios ou instrumentos para que ocorra a comunicação.

A incidência do ICMS sobre os serviços de comunicação está prevista no inciso II, do art. 155 da Constituição Federal Brasileira, que trata dos impostos de competência dos Estados e do Distrito Federal:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I - (...)

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior” (grifos nossos).


ICMS versus VoIP

Pretendendo caracterizar os serviços de VoIP como serviços de comunicação e, por conseguinte, sujeitá-los à incidência do ICMS, o convênio CONFAZ 55/05 (Conselho Nacional de Política Fazendária) concedeu autorização para que os Estados tributem as operações relativas à VoIP, nos seguintes termos:

“Cláusula Primeira - Relativamente às modalidades pré-pagas de prestações de serviços de telefonia fixa, telefonia móvel celular e de telefonia com base em voz sobre Protocolo Internet (VoIP), disponibilizados por fichas, cartões ou assemelhados, mesmo que por meios eletrônicos, será emitida Nota Fiscal de Serviços de Telecomunicação – Modelo 22 (NFST), com destaque do imposto devido, calculado com base no valor tarifário vigente, na hipótese de disponibilização (...)”.

Em agosto de 2006, o CONFAZ celebrou o Convênio ICMS 72/06, autorizando a maioria dos Estados Federados a conceder remissão parcial do ICMS incidente sobre as prestações de serviços de comunicação, seguindo as alíquotas e condições previstas naquele normativo.

Mais uma vez, o CONFAZ, em desconformidade com os preceitos legais definidos para esta matéria, definiu como serviços de telecomunicações todos aqueles “serviços de valor adicionado, serviços de meios de telecomunicação, contratação de porta, utilização de segmento espacial satelital, disponibilização de equipamentos ou de componentes que sirvam de meio necessário para a prestação de serviços de transmissão de dados, voz, imagem e internet, independentemente da denominação que lhes seja dada, realizadas até a data do termo inicial de vigência deste convênio”.

Segundo o artigo 155, inciso II, da Constituição Federal, e o artigo 2º, inciso III da Lei Complementar nº 87, de 1996, cabe aos Estados e ao Distrito Federal instituir tributos sobre toda e qualquer prestação onerosa de serviços de comunicação, entendida aqui como o ato de colocar à disposição de terceiro, meios ou instrumentos para que ocorra a comunicação, como tal entendida a ação bilateral ou multilateral de interação de informações ou dados.

Desta forma, o serviço que não seja prestado onerosamente, ou que não seja expressamente considerado pela legislação pertinente como serviço de comunicação, não poderá sofrer a incidência do ICMS, em respeito ao princípio da estrita legalidade tributária:

Art. 150, CF: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.

A definição da competência tributária do artigo 155, inciso II, da Constituição Federal, não pode ser aplicada acriteriosamente, entendendo-se abusivamente sobre mecanismos que não disponibilizem os meios e condições necessários e suficientes a que se realize a comunicação. A prestação de serviços de valor adicionado seria tida como atividade-meio, ou seja, um mero serviço auxiliar e preparatório para a efetivação de eventual serviço de telecomunicação. Portanto, não constitui serviço de comunicação propriamente dito, não sendo permitida a exigência do ICMS com relação a atividades meramente preparatórias. Este entendimento, inclusive, encontra-se sumulado pelo STJ (Sumula 334).

A Resolução nº 73, de 1998, da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), delimita especificamente quais os tipos de serviços que podem ser considerados como de telecomunicação, negativamente descaracterizando: (1) o provimento de capacidade satelital; (2) a atividade de habilitação ou cadastro de usuário e de equipamento para acesso a serviços de telecomunicações; e (3) os serviços de valor adicionado. Um convênio ICMS expedido pelo CONFAZ, portanto, não pode alterar o conceito de serviços de telecomunicação, ampliando matéria sobre a qual não tem competência técnico-jurídica para fazê-lo.

Compete privativamente à ANATEL determinar o que é considerado como serviço de telecomunicação, e a Agência já o fez por meio da mencionada Resolução nº 73. Quanto ao serviço de VoIP, o entendimento da Agência é claro e taxativo, ao conceituá-lo como uma tecnologia, e não como um serviço de comunicação:

“Voz sobre IP (VoIP) é um conjunto de tecnologias que usam a internet ou redes IP privadas para a comunicação de voz, substituindo ou complementando os sistemas de telefonia convencionais. A Anatel não regulamenta as tecnologias, mas os serviços de telecomunicações que delas se utilizam. A comunicação de voz utilizando computadores conectados à internet - uma das aplicações desta tecnologia - é considerada Serviço de Valor Adicionado, não sendo necessária autorização da Anatel para prestá-lo.”

O próprio Código Tributário Nacional (CTN – Lei n° 5. 172, de 25 de Outubro de 1966) dispõe que a lei tributária não pode alterar a definição, conteúdo, alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa, ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados ou pelas leis orgânicas do Distrito Federal ou dos municípios para definir ou limitar competências tributárias. Acolher o argumento de que os serviços de VoIP devem ser entendidos como serviço de comunicação promove um verdadeiro alargamento na competência tributária dos Estados, ampliando um conceito de direito, em afronta aos dispositivos constitucionais que definem rigorosamente tais competências.

Entendemos, assim, que o VoIP não é tributado, mas sim os serviços de comunicação oferecidos. Dentre as modalidades acima descritas, o VoIP peer to peer (P2P), ou seja, de protocolo IP para protocolo IP, é mero serviço de valor adicionado, não podendo incidir o ICMS. Entretanto, as demais modalidades, que possuem ao menos uma terminação na rede pública (fixa ou móvel), estarão sujeitas ao recolhimento do ICMS no Estado onde ocorrer a efetiva prestação do serviço.


VoIP - Minutagem

A prestação dos serviços de VoIP aos clientes através de planos pré e pós pagos, utilizando a estrutura de serviços e a minutagem obtida por empresa terceira. A atribuição empresa é intermediar o usuário final da tecnologia VoIP e o serviço de telecomunicação oferecido pela prestadora de serviço de comunicação, e não oferecer estes serviços diretamente.

Entretanto, este não é o posicionamento adotado pelos Fiscos Estaduais, que, desde o Convênio CONFAZ 55/05, inseriram em seus Regulamentos de ICMS a incidência do imposto sobre os serviços de VoIP, enquadrando-os como serviços de comunicação e, por isto, fato gerador do ICMS.

Há, portanto, discussão controversa pendente quanto à incidência ou não do ICMS sobre os serviços de VoIP, uma vez que a sua natureza jurídica indica inequivocamente a impossibilidade de tal incidência, visto ser serviço de valor adicionado (conforme aqui demonstramos); mas, não obstante, o Conselho Nacional de Política Fazendária tem ratificado a cobrança do imposto sobre estas atividades.


Regulamento do ICMS de Minas Gerais (RICMS/MG)

O Capítulo II, Anexo IX, do RICMS/MG dispõe sobre os serviços de comunicação, descrevendo quais são as obrigações principais e acessórias dos contribuintes deste imposto.

Em decorrência do Convênio 55/05 do CONFAZ, o Decreto nº 44.288, de 02 de maio de 2006, alterou o art. 41 do Anexo IX do RICMS/MG, incluindo VoIP dentre os serviços de comunicação, como fato gerador do ICMS.

Argumenta o Fisco Estadual o seguinte, in verbis:

“A incidência de ICMS recai sobre o serviço de comunicação, não sendo relevante a tecnologia utilizada na prestação. No caso de VoIP, normalmente trata-se de serviço de telefonia. A regulamentação sobre incidência e obrigações relativas à prestação de serviços de comunicação encontra-se em diversos artigos do RICMS, em especial no artigo 1º e nos artigos 36 e seguintes do anexo IX do RICMS.

Art. 1º - O Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) incide sobre:

(...)

IX - a prestação onerosa de serviço de comunicação de qualquer natureza, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação;

A empresa que fatura os serviços ao cliente e perante este é responsável pela prestação em função de uma relação contratual estabelecida, é o responsável pelo recolhimento do imposto, se este adquire serviços de terceiros devem ser operados os mecanismos de débito e crédito previstos para apuração do ICMS a recolher.”

Entende o Fisco Estadual que a compra de minutagem de uma empresa que presta serviços de comunicação, para a sua posterior revenda ao usuário final, também configurar-se-ia como serviço de comunicação, e por isto fato gerador do ICMS.

Devido ao princípio constitucional da não cumulatividade tributária, a empresa que revender as minutagens de VoIP, poderá descontar o imposto que já foi pago nas fases anteriores de circulação, para evitar que haja pagamento de ICMS incidente em cascata. Assim, na nova circulação recolher-se-á de imposto, ao final, somente a diferença devida em relação ao que já foi recolhido antes. É o denominado “mecanismo de débito e crédito”, em que computa-se este crédito, para o mês posterior, da empresa contribuinte perante os entes estatais tributários.

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